Comunicação solidária

1 de setembro de 2010

Augusto Pinto

Durante o evento Digital Age 2.0, o Marcelo Tripoli da iThink pontuou: “A comunicação digital, alem da clareza e da criatividade da mensagem, deve também prestar um serviço” (conceito de brand utility). Isso me intrigou e compartilhei com o Fran, que me devolveu um comentário ainda mais intrigante: “Na verdade, a comunicação deve prestar dois serviços, um de forma e outro de conteúdo. Na forma deve ser criativa e clara e no conteúdo prestar um serviço relevante ao público-alvo”.

Durante toda a semana fiquei pensando nesses dois comentários, relacionando prestação de serviço com solidariedade. Parece absurdo, mas nesse mundo maluco e agressivo em que vivemos a solidariedade é um valor em crescimento, talvez até por um medo reflexo do que pode acontecer com cada um de nós a qualquer momento.

Recentemente testemunhamos o dilúvio de contribuições de brasileiros para as vítimas do Haiti e das inundações do nordeste brasileiro. As contribuições foram tantas que o governo brasileiro chegou a pedir que ninguém mandasse mais nada, pois não havia como armazenar?! Esses exemplos não são exceção, são regra. Aconteceu no Katrina, no Tsunami há dois anos atrás e em todas as tragédias recentes que temos testemunhado. A moda da sustentabilidade é mais um sinal dessa boa tendência.

Como não podia deixar de ser, essa onda chegou também à comunicação, talvez muito impulsionada pelas comunidades na web e pelas redes sociais. O fato é que a comunicação egoísta, que só interessa ao emissor, geralmente preocupado em “vender algum peixe”, está com os dias contados. A comunicação em tempos de mídias sociais deve ser solidária, solidária com os interesses do público.

Isso afeta a todo aquele que trabalha com comunicação, sejam publicitários, marketeiros, ou simplesmente quem que precisa comunicar algo (um vendedor, um palestrante, um porta-voz, etc). O comunicador de sucesso deverá, antes de planejar seu conteúdo, estudar os interesses e necessidades da audiência. Parece óbvio, mas não é.

Geralmente, quem prepara uma apresentação, uma campanha, ou simplesmente ensaia um discurso, simplesmente pensa no que quer vender (os argumentos) em primeiro lugar, em segundo nas circunstâncias (contexto) e por último no público. O que deve acontecer é que deveremos passar a fazer uma engenharia reversa na hora de preparar uma apresentação, iniciando por entender as motivações do público, para só então pensar nos nossos argumentos e no conteúdo a ser apresentado.

A comunicação solidária de certa forma deve prestar um serviço. De alguma maneira, o conteúdo que passamos deve ter uma utilidade para a audiência, para que seja compreendido e disseminado. Imagine a seguinte notícia (real): “A Ford lança o Fusion híbrido no Brasil, no final de 2010”. Vamos imaginar a comunicação desse fato no fashion way (vendendo o produto) e na hype atual (prestando um serviço):

  • Comunicação à antiga, que apenas procura vender o produto (foco na mensagem): “O Fusion híbrido da Ford é potente e econômico, fazendo 17 kms por litro na cidade”.
  • Comunicação solidária: “Agora, com o Fusion híbrido da Ford você poderá comprar um carrão, sem peso na consciência. O Fusion é o primeiro carro sustentável do mercado brasileiro”.

Portanto, você aí que trabalha com comunicação, vá pensando numa forma de introduzir sustentabilidade e prestação de serviço em suas mensagens, ou prepare-se para ver a bola que você chuta bater na parede e voltar na sua cara.

Fran Papaterra

Apenas a título de provocação proponho o seguinte raciocínio. Não é que o mundo ficou mais solidário porque as pessoas ficaram mais solidárias. O mundo possibilitou às pessoas serem solidárias de uma maneira que era muito difícil, se não impossível, há pouco tempo.

Não me esqueço de um detalhe do livro Mauá de Jorge Caldeira. Mauá, de nome Irineu Evangelista de Sousa, foi, grosso modo, o primeiro capitalista do Brasil no final do século retrasado. Pois este homem pediu um empréstimo para um banco em Londres e o empréstimo veio de navio. Eram notas de libras que cruzaram o Oceano Atlântico até chegar, semanas depois, ao beneficiário do empréstimo. Hoje eu credito a mesada de minhas filhas em um cartão que elas usam no shopping ou na cantina da escola e consultam saldo na internet ou no caixa automático.

Se Mauá recebesse um crédito em conta, iria tratar da vida no dia seguinte, mas ficou, literalmente, a ver navios até poder agir. Resultado: estamos mais rápidos, podemos fazer mais coisas. E mais: estamos mais bem informados. Um telefone celular grava uma pancadaria da polícia no Irã e transmite o fato pela internet instantaneamente. Portanto, – e atenção para esta conclusão – estamos, todos, mais exigentes.

Aceitávamos celular sem sinal em boa parte da Berrini e hoje baixamos arquivos pelo celular. E ai da operadora se demorar!

Resumindo:

  1. Ficou possível ser mais solidário
  2. Estamos mais bem informados
  3. Ficou difícil nos enganar
  4. Estamos mais exigentes

Por um lado, ficou mais fácil, pois podemos baixar arquivos remotamente. Por outro lado, ficou mais difícil porque o destinatário do arquivo vai botar a boca no trombone se algo estiver errado ou for mentiroso.

E trombone aqui é uma mera metáfora: serve para mostrar que nossos diversos destinatários, como um trombone, podem fazer muito barulho. Mas, como toda metáfora explica apenas parte do que queremos explicar, convém dizer que nossos públicos contam com um trombone cujo som chega, quase que instantaneamente em quase todos os lugares.

Vamos ter que caprichar mais. Esta é a boa notícia para quem capricha e a má notícia para quem não.